
A nossa maneira de sentir e de viver depende de como cada um de nós interioriza a relação entre essas duas partes da realidade. Uma das formas que aprendemos de relacionarmos com os outros é a postura que designamos por vítima.
Ela consegue ver apenas a sombra da realidade, paralela a uma incrível capacidade de diagnosticar os problemas existentes. Há nela uma incapacidade estrutural de procurar o caminho das soluções e, neste sentido, ela transfere os seus problemas para os outros, diferindo às circunstâncias e ao mundo exterior a responsabilidade do que está lhe acontecendo. Esta é a postura da justificativa! Justificar-se é o sinal de que não admitir mudanças... Para não assumirmos o erro, justificamo-nos e transformamos o que está errado em injusto e, de justificativa em justificativa, paralisamo-nos, impedimo-nos de crescer.
A vítima é incompetente na sua relação com o mundo externo. Enquanto colocarmos a responsabilidade total dos nossos problemas em outras pessoas e circunstâncias, tiraremos de nós mesmos a possibilidade de crescimento. Em vez disso, procuramos mudar as outras pessoas! Este tipo de postura provém do sentimento de solidão, quando não percebemos que somos responsáveis pela nossa própria vida, por seus altos e baixos, seu bem e seu mal, suas alegrias e tristezas, quando a nossa felicidade se torna dependente da maneira como os outros agem. E como as pessoas não agem segundo nosso padrão, sentimo-nos infelizes e sofredores. Realmente, a melhor maneira de sermos infelizes é acreditarmos que é da outra pessoa a competência de nos ofertas felicidade e, assim, mascaramos a nossa própria vida frente aos nossos problemas. A postura de vítima é a máscara que usamos para não assumirmos a realidade difícil quando ela se apresenta. É a falta de vontade de crescer, de mudar‚ escondida sob a capa da aparição externa.
Toda relação humana é bilateral:O maior mal que fazemos a nós próprios é usarmos as limitações de outras pessoas do nosso relacionamento para não aceitarmos a nossa própria parte negativa. Assim, usamos o sistema como bode expiatório para a nossa acomodação no sofrimento.
Ela se coloca como dominada, como fraca, para dominar o sentimento das outras pessoas!
O que mais caracteriza a vítima é a sua falta de vontade de crescer, sofrendo de uma doença chamada perfeccionismo, que é a não aceitação dos erros humanos e a intolerância com a imperfeição alheia. Ela se tortura com a idéia perfeccionista, com a imagem de como deveria ser, e tortura também os outros relativamente àquilo que as outras pessoas deveriam ser.
Há na vítima uma tentativa de enquadrar o mundo no modelo ideal que ela própria criou, e sempre que temos um modelo ideal na cabeça é, na verdade, para evitar o contato com a nossa própria realidade! A vítima não se relaciona com as pessoas aceitando-as como são, mas da maneira que ela gostaria que fossem. É comum querermos que os outros sejam aquilo que não estamos conseguindo ser, desejar que o filho, a mulher e o amigo sejam o que nós não somos. Colocar-se como vítima é uma forma de se negar na relação humana. Por esta postura, não estamos presentes, não valemos nada, somos meros objetos da situação, meros coadjuvantes, figurantes de nossa própria vida!
Todavia, as dificuldades e limitações do mundo externo são apenas um desafio ao nosso desenvolvimento, se assumirmos o nosso espaço e estivermos presentes física, moral e intelectualmente. Assim, quanto pior for um doente, tanto mais competente deve ser o médico... Quanto pior for um aluno, mais competente deve ser o professor. Assim também, quanto pior for o sistema ou a sociedade que nos cerca, mais competentes devemos ser com pessoas que fazem parte desta sociedade ou sistema... Quanto pior for nosso filho, mais competentes devemos ser como pai ou mãe... Quanto pior for a nossa mulher, mais competentes devemos ser como marido... Quanto pior for nosso marido, mais competentes devemos ser como esposa, e assim por diante...Desta forma, colocamo-nos em posição de buscar o crescimento e tomamos a deficiência alheia como incentivo para nossas mudanças existenciais. Só podemos crescer naquilo que nós somos, naquilo que nos pertence... Todos nós temos parte da responsabilidade naquilo que está ocorrendo. Os problemas da nossa vida só podem ser resolvidos em concreto, em particular. Dizer, por exemplo, que somos pressionados pela sociedade a levar uma vida que não nos satisfaz, é colocar o problema de maneira insolúvel. Todavia, perguntar a nós mesmos quais são as pessoas, coisas ou situações que concretamente estão gerando o que nos desagrada, pode ajudar a trazer uma solução. Só podemos lidar com a sociedade em termos concretos e palpáveis. Conforme nos relacionamos com cada pessoa, em cada lugar, em cada momento, estamos nos relacionando com a sociedade, porque cada pessoa específica, num determinado lugar e momento, é a sociedade para nós naquela hora, minuto e segundo!
A vítima transforma as dificuldades em conflito, a sua vida num beco sem saída...
Ser vítima é querer fugir da realidade, do erro, da imperfeição, dos limites humanos.





1 Comentário
Excelente descrição da vítima. Obrigada.
Beijinhos
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